Não sei se têm reparado
nas carinhas de anjinho, na doçura do tom da voz, na candura do olhar, no
sorriso terno, na atitude delicada e, supostamente independente, com que a maior
parte dos comentadores da área do Governo ou do PS falam da política e dos acontecimentos
quotidianos que, sistematicamente, vêm diminuindo os direitos da classe média e
dos mais desfavorecidos da nossa sociedade.
Onde está quem, de facto, se indigne e diga “basta de discursadas e toca a agir”?
Para que servem os
dirigentes senão para se confrontarem com quem nos está a “grelhar” em fogo
lento? Onde está a nossa voz na Europa? Quem é que no PS, de forma clara e
decidida, dá corpo ao princípio da solidariedade para com os necessitados, em
vez de se limitar, “responsavelmente”, de gravata e sapatinhos engraxados, a cuidar
do que se diz, não vão os nossos “clientes” estrangeiros ficarem com má
impressão a nosso respeito?
Todos os dirigentes que,
actualmente ou no passado, tiveram responsabilidades na política, no
jornalismo, na economia, na justiça, na educação, na gestão de empresas, etc.,
têm de deixar de fazer o papel de virgens impolutas e agir, porque já é tempo, de
desinibidamente, sem moralismos estéreis, ”saltarem” em defesa das famílias que,
sem meios, estão em sofrimento e sem saber o que fazer.
E, já agora, que dizer
dos altos dignitários da Igreja que, ou andam escondidos, ou se limitam a apelar
para a protecção dos desfavorecidos sem ousarem, de forma frontal, como a opção
que fizeram lhes exige, dizer uma palavra forte contra a forma injusta como é
feita a distribuição da riqueza?
Isto não parece um país,
mas sim um teatro, em que os artistas representam a sua parte e regressam a casa, tranquilamente, porque tudo o resto nada tem a ver com eles.
DOIS POEMAS DE GUERRA JUNQUEIRO
“Virgens impolutas”
Levas na fronte a c'roa da inocência,
levas no lábio um riso imaculado;
partiste para o céu, piedosa essência,
em procura do místico noivado.
Mas, contudo, na doce transparência,
nas linhas do teu rosto desmaiado,
eu leio-te os segredos da existência,
os mil dramas da carne e do pecado.
Esmagaste do amor as garras brutas,
cingindo ao corpo um bárbaro cilício;
mas, á
virgem das virgens impolutas,
quantas vezes, no
horror do sacrifício.
não chegaste
a invejar as prostitutas,
que à noite dormem
sobre o mar do vício!
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" O
dinheiro de São Pedro "
De tal
modo imitou o papa a singeleza
do
mártir do calvário
que, à
força de gastar os bens com a pobreza,
tornou-se
milionário.
Tu hoje
podes ver, ó filho de Maria,
o teu
vigário humilde
conversando
na Bolsa em fundos da Turquia
com o
Barão Rotschild.
A cruz da redenção, que deu ao mundo a vida,
por te haver dado a morte,
tem-na
no seu bureau o padre-santo erguida
sobre
uma caixa forte.
E toda
essa riqueza imensa, acumulada
por
tantos financeiros,
o que é
a economia, oh Deus ! foi começada
só com
trinta dinheiros !
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