Mantendo a tradição
anual, os ex-militares da Companhia de Caçadores 763, que em 1965/66,
combateram por Portugal e pelos portugueses, na Guerra da Guiné, juntaram-se,
mais uma vez, para, em fraterna confraternização, relembrarem os indiscritíveis
momentos em que, com nobreza de alma e abnegação, correram o perigo da própria
vida, sendo que, infelizmente, alguns a perderam mesmo ou ficaram estropiados
para todo o resto da sua existência.
Foi interessante
ver aquele grupo de septuagenários, a quem o país nunca reconheceu
o seu heroísmo em
prole da pátria e a quem está, agora, a sacrificar roubando-lhes aquilo que é
deles, por direito próprio, manterem-se de cabeça erguida, prontos para uma
nova luta, se tal for necessário.
Foi neste contexto
que o ex-Alferes Paulos, dirigiu, aos presentes, as seguintes palavras:
Caros Companheiros e Familiares
Nestes
nossos encontros, gosto sempre de relembrar o que exactamente há 48 anos, nesta
data, andávamos nós a fazer pela Guiné
Em 16
de Junho de 1965, segundo a História da Companhia, andávamos a fazer simples
patrulhamentos junto às Tabancas de Cantone, Mato Farroba, Iusse e Impungueda.
Mas
dois dias depois, em 18 de Junho de 1965, deslocámo-nos a Catió, para
escoltarmos o pelotão de Artilharia que estava em Cufar e que se deslocou para
a sede do Batalhão. No caminho foram detectadas, na estrada, duas minas A/C de
madeira e duas minas A/P, que foram rebentadas no local. Acontece que uma das
minas estava armadilhada e o Alferes miliciano Abrantes, comandante do Pelotão
de Artilharia, que, entretanto, se deslocara para junto do local onde estavam
as minas, pisou uma das A/P, ficando gravemente ferido com o pé direito
totalmente desfacelado, fracturas expostas na perna e queimaduras na coxa
direita.
Foi
evacuado para Cufar e depois para o hospital de Bissau, mas acabou por ficar
sem a perna.
Nesse
mesmo mês, uns dias antes, mais precisamente, no dia 10, realizou-se a Operação
Saturno na região de Cabolol.
Foi uma
operação indiscritível!
Encontrámos
um acampamento inimigo, em plena mata, eram 05.30h da manhã e perante uma
enorme fogachada da parte deles, com armas ligeiras, metralhadoras pesadas e
lança granadas foguete, conseguimos reagir e contra-atacar, assaltando o
acampamento, conquistando-o e destruindo-o. Para mim, é talvez o momento em que
mais senti a sensação do “ou matas ou morres”. A coragem que todos os que ali
estavam demonstraram, correndo, aos gritos e aos tiros, de peito feito, na
direcção do Acampamento deles, foi decisivo e é impossível de descrever.
Sofremos
4 feridos, um dos quais de forma grave, tendo sido, então, evacuado para
Bissau.
A estes
dois exemplos, em que um dos nossos ficou sem uma perna para sempre, poderíamos
juntar outros da nossa Companhia, ou de outras unidades em que nossos camaradas
de armas perderam mesmo a própria vida, para ilustrar bem, a injustiça que este
país e quem o governa tem tido para com os seus combatentes, ao longo do tempo,
não só não reconhecendo a dívida que tem para connosco, como, pelo contrário,
roubando-nos agora parte das nossas reformas, dinheiro nosso, que eles tinham
apenas à sua guarda.
Essa
gente que por aí anda trata os pais e avós como carneiros, achando que ainda
lhes devemos agradecer por estarmos vivos.
Por
isso, meus amigos, relembro, agora e aqui, o que foi escrito na primeira página
da História da Companhia pelo inesquecível nosso Capitão Costa Campos.
Diz lá:
Entre o
Passado onde repousam as nossas Lembranças
E o
Futuro onde se dirigem as nossas Esperanças,
Está o
Presente onde se levantam os nossos Deveres.
Por
isso, meus amigos, é preciso, como o estamos a fazer aqui hoje, dar o
testemunho de que ainda estamos vivos, e que o Dever que hoje se levanta para
nós, é o de, à semelhança de Cabolol, antes que eles nos matem, temos de ser
nós a correr com eles.
Não
temos uma G3, mas temos a arma do voto.
Obrigado
amigos pela vossa presença, que me revitaliza sempre a vontade de continuar a
viver e a lutar.
Obrigado
a todos.
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