segunda-feira, 17 de junho de 2013

COMBATENTES DAS GUERRAS DO ULTRAMAR

Mantendo a tradição anual, os ex-militares da Companhia de Caçadores 763, que em 1965/66, combateram por Portugal e pelos portugueses, na Guerra da Guiné, juntaram-se, mais uma vez, para, em fraterna confraternização, relembrarem os indiscritíveis momentos em que, com nobreza de alma e abnegação, correram o perigo da própria vida, sendo que, infelizmente, alguns a perderam mesmo ou ficaram estropiados para todo o resto da sua existência.
Foi interessante ver aquele grupo de septuagenários, a quem o país nunca reconheceu
o seu heroísmo em prole da pátria e a quem está, agora, a sacrificar roubando-lhes aquilo que é deles, por direito próprio, manterem-se de cabeça erguida, prontos para uma nova luta, se tal for necessário.
Foi neste contexto que o ex-Alferes Paulos, dirigiu, aos presentes, as seguintes palavras:

Caros Companheiros e Familiares

Nestes nossos encontros, gosto sempre de relembrar o que exactamente há 48 anos, nesta data, andávamos nós a fazer pela Guiné

Em 16 de Junho de 1965, segundo a História da Companhia, andávamos a fazer simples patrulhamentos junto às Tabancas de Cantone, Mato Farroba, Iusse e Impungueda.
Mas dois dias depois, em 18 de Junho de 1965, deslocámo-nos a Catió, para escoltarmos o pelotão de Artilharia que estava em Cufar e que se deslocou para a sede do Batalhão. No caminho foram detectadas, na estrada, duas minas A/C de madeira e duas minas A/P, que foram rebentadas no local. Acontece que uma das minas estava armadilhada e o Alferes miliciano Abrantes, comandante do Pelotão de Artilharia, que, entretanto, se deslocara para junto do local onde estavam as minas, pisou uma das A/P, ficando gravemente ferido com o pé direito totalmente desfacelado, fracturas expostas na perna e queimaduras na coxa direita.
Foi evacuado para Cufar e depois para o hospital de Bissau, mas acabou por ficar sem a perna.

Nesse mesmo mês, uns dias antes, mais precisamente, no dia 10, realizou-se a Operação Saturno na região de Cabolol.
Foi uma operação indiscritível!
Encontrámos um acampamento inimigo, em plena mata, eram 05.30h da manhã e perante uma enorme fogachada da parte deles, com armas ligeiras, metralhadoras pesadas e lança granadas foguete, conseguimos reagir e contra-atacar, assaltando o acampamento, conquistando-o e destruindo-o. Para mim, é talvez o momento em que mais senti a sensação do “ou matas ou morres”. A coragem que todos os que ali estavam demonstraram, correndo, aos gritos e aos tiros, de peito feito, na direcção do Acampamento deles, foi decisivo e é impossível de descrever.
Sofremos 4 feridos, um dos quais de forma grave, tendo sido, então, evacuado para Bissau.

A estes dois exemplos, em que um dos nossos ficou sem uma perna para sempre, poderíamos juntar outros da nossa Companhia, ou de outras unidades em que nossos camaradas de armas perderam mesmo a própria vida, para ilustrar bem, a injustiça que este país e quem o governa tem tido para com os seus combatentes, ao longo do tempo, não só não reconhecendo a dívida que tem para connosco, como, pelo contrário, roubando-nos agora parte das nossas reformas, dinheiro nosso, que eles tinham apenas à sua guarda. 

Essa gente que por aí anda trata os pais e avós como carneiros, achando que ainda lhes devemos agradecer por estarmos vivos.

Por isso, meus amigos, relembro, agora e aqui, o que foi escrito na primeira página da História da Companhia pelo inesquecível nosso Capitão Costa Campos.

Diz lá:

Entre o Passado onde repousam as nossas Lembranças
E o Futuro onde se dirigem as nossas Esperanças,
Está o Presente onde se levantam os nossos Deveres.

Por isso, meus amigos, é preciso, como o estamos a fazer aqui hoje, dar o testemunho de que ainda estamos vivos, e que o Dever que hoje se levanta para nós, é o de, à semelhança de Cabolol, antes que eles nos matem, temos de ser nós a correr com eles.

Não temos uma G3, mas temos a arma do voto.

Obrigado amigos pela vossa presença, que me revitaliza sempre a vontade de continuar a viver e a lutar.


Obrigado a todos.


Sem comentários:

Enviar um comentário