quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

TRECHOS NATALÍCIOS, No Feminino - T4

NATIVIDADE – Memórias           
                                                                                                           À minha Mãe

Adorava contar-me episódios da sua vida, sobretudo a partir da sua chegada à capital, com apenas dezoito anos, vinda de Penedono, pela mão do irmão mais velho, deixando a casa dos pais, à procura de um novo rumo.
Sentados numas cadeiras de lona, que tínhamos no nosso quintal, recordo sempre, com emoção, a narração da sua chegada à Estação do Rossio.

- Estava assustadíssima, dizia-me ela, não via o teu tio no meio de todas aquelas pessoas que saíam apressadamente das carruagens carregadas de malas, cestos, galinhas, garrafões, dando grandes beijos e abraços aos familiares que as esperavam, enquanto todo aquele espaço se enchia de fumo que a máquina do comboio teimava em continuar a lançar no espaço. Finalmente, encontrei-o e, ainda com os olhos cheios de lágrimas, lá fomos para a rua onde os carros pareciam andar a uma velocidade estonteante e os transeuntes, vestidos a rigor, passavam por nós, indiferentes.

Não havia nada do que ela estava a ver que já não tivesse ouvido falar, sobretudo ao pai, professor primário, que várias “lições” lhe dera sobre a vida da cidade, mas, como ela bem acentuava, “a realidade, ultrapassou, em muito, a minha imaginação…”.

Casou cedo, com um jovem do bairro para onde fora morar e que conheceu num bailarico da Sociedade de Recreio local, onde o mano a levava, mas onde podia dançar apenas com quem ele autorizasse.

Com uma enorme capacidade de adaptação e um espírito arguto, sempre disponível para aprender, dedicou os primeiros anos da sua vida de casada à sua filha que, mercê de uma simples apendicite, veio a falecer com apenas cinco anos.
O desgosto foi enorme e, por isso, o filho que nasceu um ano depois, era, como ela dizia, “a luz dos seus olhos”.
Apesar de trabalhar arduamente, ajudando o marido numa pequena tipografia que ele entretanto montara, acompanhava, passo a passo, a vida do filho que, naturalmente, se tornara o centro daquela casa.

Relembro, com muita, muita saudade, aqueles momentos matinais que antecediam a ida para a escola em que, pacientemente, me dava a farinha Amparo, enquanto eu ia dando voltas de triciclo no pátio da casa.
O Alfredo, filho da Maria da Fruta, mais crescido e que tinha a missão de me levar à escola e de me proteger, esperava, com algum nervosismo, a altura em que eu já não queria mais, para rapar, até ao último bocadinho, aquela deliciosa papa achocolatada.

No Verão, íamos, com frequência, passar o Domingo à praia da Cova do Vapor. A Alice, era esse o seu nome, levantava-se de madrugada para preparar o farnel – arroz de tomate, pasteis de bacalhau e “jaquinzinhos” fritos - que o meu pai adorava, mas, à parte, lá iam umas sandochas de chouriço para o seu menino comer a seguir aos banhos.

Quando, já com doze anos, entrei numa peça de teatro no Liceu, a minha mãe organizou um lanche lá em casa para mostrar a toda a família as fotografias do seu filho “artista”.

A nossa conversa era permanente e a cumplicidade era tão forte que, em dada altura, senti que algo não estava a correr bem. Mas foi um enorme choque quando o meu pai me chamou para me dizer que a minha mãe estava muito doente, que tinha de ser operada e tirar um peito, mas que ela não queria que eu soubesse.
- Já tens dezoito anos, tens de saber a verdade e ajudares na sua recuperação. Guarda segredo absoluto – disse-me ele, com uma lágrima ao canto do olho.
E assim fiz.
A minha mãe, de cabeça levantada, sempre com um sorriso naqueles vivos olhos esverdeados, comportava-se como se nada tivesse acontecido, mesmo quando a doença lhe atacou a coluna e lhe impossibilitou os movimentos de um dos braços.

Então na tropa, quando ao fim de semana regressava de Mafra, já então muito débil, contava-me as esperanças que o médico lhe dava, esperando a minha reacção para aceitar ou não tudo o que lhe diziam. Nos fins-de-semana cabia-me a mim ficar de noite a fazer-lhe companhia. Era um enorme tormento pensar que, de um momento para o outro, ela podia acabar sem que eu pudesse fazer o que quer que fosse.
Fazia que dormia e ela, cheia de dores, não se mexia, nem sequer dava um ai, para não incomodar o seu menino.
Quando regressava a Mafra e me despedia, dizia-me sempre “ conversámos pouco, sexta-feira vê se vens cedo pois tenho imenso para falar”.
Como gostava de a poder ouvir agora, de novo, a contar-me a sua chegada à Estação do Rossio.                                                                                                                
                                                                                                             Jorge Paulos
                                                                                                             Natal de 2011

4 comentários:

  1. Cada pessoa faz a diferença...realmente NÃO somos todos iguais!!!! bjs Filha Alifófo

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  2. Todos os trechos são belos e comoventes. No Natal sentimos sempre SAUDADE dos momentos que vivemos e nos marcaram para sempre.
    Para mim, esta época é sempre mística mas também de alguma tristeza, pelo menos no que diz respeito aos que já PARTIRAM.
    Ficam as recordações daquilo que um dia todos vivemos com muito carinho e ternura.
    Beijos a um(a) TIO(A) MARAVILHOSO(A)!!!

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  3. À minha avó Alice, quero agradecer o fantástico legado que me deixou, na pessoa do meu pai.

    Há pessoas que vivem para sempre.

    Bjs,
    Carlos

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