sexta-feira, 14 de outubro de 2011

FEUDALISMO ENCAPOTADO

Está a ser genericamente aceite, pela maioria dos intervenientes políticos, que atingir o objectivo de 3% do PIB para o deficit, em 2013, é praticamente impossível por acarretar sacrifícios desproporcionados e, nalguns casos, mesmo desumanos. Acresce ainda, que as medidas de austeridade são de tal ordem que, nessa altura, a economia estará de tal forma destroçada que ninguém se atreve a dizer como então se processará a sua necessária recuperação.
Assim sendo, porque razão, os responsáveis políticos não assumem uma atitude clara e transparente no sentido de ser alterada essa premissa, tornando o acordo com a Troika mais realista e, consequentemente, exequível?

Tenho para mim, porém, que esse consenso não é assim tão generalizado como tem parecido.
O Governo, por exemplo, não se define, de forma clara sobre esta matéria, referindo até que não é conveniente a reestruturação da dívida. Aliás, estou mesmo convencido que o seu principal mentor, que neste momento é o Ministro das Finanças, não está de acordo com tal alteração.
Vitor Gaspar, que nos aparece com ar de quem não mata uma mosca, mas que de cândido só tem mesmo o ar, tem-se mostrado irredutível relativamente ao seu modelo teórico, cujo desenvolvimento está a levar por diante, custe o que custar, esquecendo por um lado as pessoas e por outro que cada país tem as suas características próprias e que as “receitas” não podem ser aplicadas tipo “chapa 3”.
Temos de pagar sim, mas de forma adequada!

Não consigo perceber toda esta cobardia, este pôr de cócoras perante os países ditos mais fortes da União Europeia, como se tivéssemos roubado alguma coisa ou eles não tivessem nada a ver com a situação criada.
De um momento para o outro passámos a não valer nada?
Não temos o direito a procurar salvaguardar o nosso futuro?
Claro que continuamos a ter imenso valor e não só temos o direito como o dever de nos defendermos, sendo certo, que os poderosos não são parvos e sabem muito bem que se nós cairmos, eles virão atrás, restando saber quem é que é mais afectado. E isso, de certeza, eles não querem!

Não podemos continuar a aparecer perante a comunidade internacional como um país aprazível, como um povo de coluna dobrada, aparentemente pacífico, com salários dos mais baixos da Comunidade, com um enorme desemprego e com uma distribuição de rendimentos das mais injustas, dispostos a ceder, a qualquer preço, o resto da nossa soberania a troco de uns investimentos, que, rapidamente, se vão logo que surja uma outra qualquer oportunidade para eles de ganhar mais, seja o que for e onde quer que seja.
Chega de rastejar… É preciso ter consciência que eles não estão assim tão melhores do que nós!

Chegados aqui, conviria ter em atenção que o que se está a passar se enquadra na lógica do Sistema.
De facto, o Capitalismo sempre se mostrou hábil na organização da produção, mas não na distribuição da riqueza.
A tendência natural do seu desenvolvimento vai sempre no sentido de concentrar a riqueza, formando-se grandes grupos económicos que, com a sua “força”, dominam os poderes económico e político. Aliás, a apregoada Globalização foi o momento áureo de tal desígnio.

Mas o que é curioso é que toda a classe dirigente procura, com os mais variados argumentos, anestesiar a população, justificando os sacrifícios que nos querem impor, com a ideia de que
“ gastámos acima das nossas possibilidades e agora temos de pagar”.
É preciso desmitificar esta generalização e, para tal, podemos perguntar quem é que gastou acima das suas posses. “Eu não fui. E você, foi? E você? E você?..... Cada um, por si, responderá, invariavelmente, “Eu também não”.
Então afinal quem foi?
Generalizar é uma forma de branqueamento!  
Porque não procurar entre aqueles a quem esse endividamento mais proveitos trouxeram como são, por exemplo, os grandes empreiteiros, os donos das terras, os grandes grupos económicos e os bancos? Mas também as classes dirigentes que querem impor à força essas cegas medidas porque querem manter os seus privilégios, não alterando, significativamente as suas regalias, mas aparecendo com um paternalismo serôdio para os mais desfavorecidos.
Tal atitude leva-me mesmo a pensar que caminhamos, de novo, para um Feudalismo encapotado, com vestes neoliberais.

Não parece possível conseguir uma verdadeira mudança estrutural sem ter, de antemão, em atenção, que a divisão dos rendimentos entre ricos e pobres está a atingir o ponto de saturação e que a estrutura actual, mais tarde ou mais cedo se irá alterar, a bem ou a mal, conforme as classes dirigentes se mantenham ou não intransigentes quanto ao modelo de distribuição da riqueza.

1 comentário:

  1. Parabéns Jorge, gostei muito de sua lucidez e domínio do assunto. É reconfortante saber que temos "cabeças que pensam" neste país! Flávio Portalet.

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